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Capítulo 06
Capítulo 06

Christian abriu a porta do passageiro do seu Audi SUV preto, e eu subi. É um carro legal. Ele não mencionou a explosão de paixão que eclodiu no elevador. Devo fazer isso? Deveríamos falar sobre o assunto ou fingir que não aconteceu? Não pareceu real, meu adequado primeiro beijo sem restrição. Com o passar do tempo, atribuí-o um caráter mítico como a lenda do rei Artur ou a Cidade Perdida de Atlantis. Nunca aconteceu, nunca existiu. Talvez eu tenha imaginado tudo. Não.

Eu toquei meus lábios, estavam inchados de seu beijo. Definitivamente, aconteceu. Sou uma mulher mudada. Eu quero este homem, desesperadamente, e ele me quer.

Olho-o. Christian está como de costume: correto, educado e um pouco distante.

Tão confuso.

Ele liga o motor e abandona sua vaga no estacionamento. Liga o leitor de MP3. O interior do carro foi preenchido pela mais doce e mais mágica música que duas mulheres cantavam. Uau... todos os meus sentidos estão em desordem, por isso estou duplamente afetada. Enviou arrepios deliciosos a minha coluna vertebral. Christian se dirigiu para SW Park Avenue, e guiou com uma fácil e preguiçosa confiança.

— O que estamos ouvindo?

— É o Dueto das Flores de Delibes, da ópera Lakmé. Você gostou?

— Christian, é maravilhoso.

— É, não é?

Ele sorriu enquanto olhava para mim. E por um momento aparentou sua idade, jovem, despreocupado e bonito até perder o sentido. É esta a chave para chegar a ele? A música? Sento-me e ouço as vozes angélicas, sussurrantes e sedutoras.

— Pode voltar a tocá-la?

— Claro.

Christian apertou um botão, e a música voltou a me acariciar. Invadiu meus sentidos de forma lenta, suave e doce.

— Você gosta de música clássica? — Perguntei-lhe tentando descobrir algo de suas preferências pessoais.

— Meu gosto é eclético, Anastásia. De Thomas Talis a Kings of Leon. Depende de meu estado de ânimo. E o seu?

— O meu também. Embora não conheça o Thomas Talis.

Voltou-se em minha direção, me olhou um instante e voltou a fixar os olhos na estrada.

— Algum dia te mostrarei algo dele. É um compositor britânico do século XVI. Música coral eclesiástica da época dos Tudor. —Ele sorriu-me. —Parece muito esotérico, eu sei, mas é mágico, Anastásia.

Pressionou um botão e começou a soar os Kings of Leon. Este eu conheço. "Sex on Fire." Muito oportuno. Repentinamente, o som de um celular interrompeu a música. Christian apertou um botão do volante.

— Grey. — Respondeu bruscamente.

— Sr.Grey, sou Welch. Tenho a informação que pediu.

Uma voz áspera e imaterial chegou através dos alto-falantes.

— Bom. Mande-me por e-mail. Algo mais?

— Nada mais, senhor.

Apertou o botão, a chamada encerrou e voltou a tocar a música. Nem adeus, nem obrigado. Estou tão feliz que eu nunca seriamente considerei trabalhar para ele.

Estremeço sozinha só de pensar. É muito controlador e frio com seus empregados. O telefone voltou a interromper a música.

— Grey.

— Mandou-lhe por e-mail uma informação confidencial, Sr. Grey.

Era uma voz de mulher.

— Bom. Isso é tudo, Andrea.

— Tenha um bom dia, senhor.

Christian desligou ao pressionar um botão do volante. Logo que a música recomeçou, o telefone voltou a tocar. Nisto consistia sua vida, em constantes telefonemas irritantes?

 — Grey.  — Disse bruscamente.

 — Olá, Christian. Relaxou?

 — Olá, Eliot... Estou no viva voz e não estou sozinho no carro.

Christian suspirou.

— Quem está contigo?

Christian balançou a cabeça.

— Anastásia Steele.

— Olá, Ana!

— Ana!

— Olá, Eliot.

— Falaram-me muito de ti. — Eliot Murmurou com voz rouca.

Christian franziu o cenho.

— Não acredite em uma palavra do que Kate te contou. — Ana disse.

Eliot riu.

— Estou levando Anastásia para casa. — Christian disse usando meu nome completo. — Quer que te apanhe?

— Claro.

— Vejo você mais tarde.

Christian desligou o telefone e a música voltou a tocar.

— Por que você insiste em chamar-me Anastásia?

— Porque é seu nome.

— Prefiro Ana.

— De verdade?

Quase chegamos a minha casa. Não demoramos muito.

— Anastásia... — Disse-me pensativo.

Olhei-o com uma expressão má, mas ele não se importou.

— O que aconteceu no elevador... não voltará a acontecer. Bom, a menos que seja premeditado. — Ele disse.

Parou o carro em frente a minha casa. Dei-me conta, de repente, que não me perguntou onde eu vivia. Já sabia. Claro que sabia onde vivo, pois me enviou os livros. Como não o faria um caçador, com um rastreador de celular e proprietário de um helicóptero?

Por que não vai voltar a me beijar? Faço um gesto de desgosto ao pensar nisso. Não o entendo. Honestamente, seu sobrenome deveria ser Enigmático, não Grey. Ele saiu do carro, andando com facilidade, suas pernas longas deram a volta com graça ao redor do carro para o meu lado a fim de abrir a porta. Sempre é um perfeito cavalheiro, exceto, possivelmente, em estranhos e preciosos momentos nos elevadores. Ruborizei-me e o pensamento que eu tinha sido incapaz de tocar adentrou na minha mente. Queria deslizar meus dedos por seu cabelo alvoroçado, mas não podia mover as mãos. Senti-me frustrada ao lembrar.

— Gostei do que aconteceu no elevador. — Murmurei ao sair do carro.

Não estou segura se ouvi um ofegar afogado, mas escolhi fazer caso omisso e subi os degraus da entrada.

Kate e Eliot estavam sentados à mesa. Os livros de quatorze mil dólares não estavam ali, felizmente. Tenho planos para eles. Kate mostrou um sorriso ridículo e pouco habitual, e sua juba despenteada lhe dava um ar muito sexy. Christian me seguiu até a sala de estar, e embora Kate sorrisse com uma expressão de ter passado uma grande noite, o olhou com desconfiança.

— Olá, Ana.

Levantou-se para me abraçar e no momento que me separou um pouco, me olhou de cima a baixo. Franziu o cenho e se voltou para Christian.

— Bom dia, Christian! — Disse-lhe em tom ligeiramente hostil.

— Senhorita Kavanagh — Respondeu em seu endurecido tom formal.

— Christian, seu nome é Kate, — Eliot resmungou.

— Kate.

Christian assentiu com educação e encarou Eliot, que riu e se levantou para também me abraçar.

— Olá, Ana.

Sorri e seus olhos azuis brilharam. Fiquei bem imediatamente. É óbvio que não tinha nada a ver com Christian, mas, claro, são irmãos adotivos.

— Olá, Eliot.

Sorri para ele e me dei conta de que mordia meus lábios.

— Eliot, temos que ir. — Christian disse em tom suave.

— Claro.

Virou-se para Kate, abraçou-a e lhe deu um interminável beijo.

Jesus... Arrumem um quarto! Olhei para meus pés, incômoda. Levantei a visão para Christian, que me olhava fixamente. Sustentei-lhe o olhar. Por que não me beija assim? Eliot continuou beijando Kate, empurrou-a para trás e a fez dobrar-se de forma tão teatral que o cabelo dela quase toca o chão.

— Até mais, querida! — Disse-lhe sorridente.

Kate se derreteu. Nunca antes a tinha visto derretendo-se assim. Veio-me à cabeça as palavras "formosa" e "complacente". Kate, complacente. Eliot deve ser muito bom. Christian revirou os olhos e me olhou com expressão impenetrável, embora possivelmente a situação o divertisse um pouco. Apanhou uma mecha de meu cabelo que escapou do meu rabo de cavalo e o pôs atrás da orelha. Minha respiração entrecortou e ele inclinou minha cabeça com seus dedos. Seus olhos se suavizaram e passou o polegar por meu lábio inferior. O sangue queimou através das minhas veias. E imediatamente retirou a mão.

— Até mais, querida. — Murmurou.

Não pude evitar rir, porque a frase não combinava com ele. Mas embora saiba que está esquivando-se, aquelas palavras ficaram cravadas dentro de mim.

— Passarei para te buscar as oito.

Deu meia volta, abriu a porta da frente e saiu para a varanda. Eliot o seguiu até o carro, mas se voltou e lançou outro beijo para Kate. Senti uma inesperada pontada de ciúmes.

— E então? — Kate perguntou-me com evidente curiosidade enquanto os observamos subir no carro e afastar-se.

— Nada. — Respondi bruscamente, com a esperança de que isso a impedisse de continuar com as perguntas.

Entramos em casa.

— Mas é evidente que sim! — Disse-me.

Não posso dissimular a inveja. Kate sempre consegue enredar os homens. É irresistível, bonita, sexy, divertida, atrevida... Justamente o contrário de mim. Mas o sorriso com o qual me respondeu é contagioso.

— Vou vê-lo novamente esta noite.

Aplaudiu e pulou como uma menina pequena. Não pode reprimir seu entusiasmo e sua alegria, e eu não pude evitar me alegrar. Era interessante ver Kate contente.

— Esta noite Christian vai levar-me a Seattle.

— A Seattle?

— Sim.

— E possivelmente ali...?

— Assim espero.

— Então você gosta dele, não é?

— Sim.

— Você gosta o suficiente para...?

— Sim.

Ergueu as sobrancelhas.

— Uau. Por fim Ana Steele se apaixona por um homem, e é Christian Grey, o bonito e sexy multimilionário.

— Claro, claro, é apenas pelo dinheiro.

Sorri afetadamente até que ao final tivemos ambas, um ataque de riso.

— Essa blusa é nova? — Perguntou-me.

Deixei que ela soubesse todos os detalhes desinteressantes sobre a minha noite.

— Já te beijou? —Perguntou-me enquanto preparava um café.

Ruborizei-me.

 — Uma vez.

 — Uma vez! — Exclamou.

Assenti bastante envergonhada.

— É muito reservado.

Kate franziu o cenho.

— Que estranho.

— Não acredito, na verdade, que a palavra seja "estranho".

— Temos que nos assegurar de que esta noite esteja irresistível. —Disse-me muito decidida.

OH, não... Já vejo que vai ser um tempo perdido, humilhante e doloroso.

— Tenho que estar no trabalho em uma hora.

— Pode trabalhar nesse tempo. Vamos.

Kate segurou em minha da mão e me levou para casa.

Embora houvesse muito trabalho no Clayton's, as horas passaram-se lentamente. Como estamos em plena temporada do verão, tenho que passar duas horas repondo as estantes depois de ter fechado a loja. É um trabalho mecânico que me deixava tempo para pensar. A verdade é que em todo o dia não pude fazê-lo.

Seguindo os conselhos incansáveis e francamente impertinentes de Kate, depilei minhas pernas, axilas e sobrancelhas, assim fiquei com a pele toda irritada. Era uma experiência muito desagradável, mas Kate me assegurou que era o que os homens esperavam nestas circunstâncias. Que mais esperará Christian? Tenho que convencer Kate de que quero fazê-lo. Por alguma estranha razão, ela não confiava nele, possivelmente porque fosse tão tenso e formal. Avisei-a que não saberia dizer como, mas prometi que lhe enviaria uma mensagem assim que chegasse a Seattle. Não falei nada sobre o helicóptero para que não enlouquecesse.

Também havia a questão sobre José. Havia três mensagens e sete chamadas perdidas suas no meu celular. Também ligou para casa, duas vezes. Kate tem sido muito vaga a respeito de onde eu estou. Ele vai saber que ela me encobre. Kate sempre era muito franca. Mas decidi deixá-lo sofrer um pouco. Ainda estou zangada com ele.

Christian comentou algo sobre uns papéis, e não sei se estava de brincadeira ou se ia ter que assinar algo. Desesperei-me por ter que andar conjecturando todo o tempo. E para o cúmulo das desgraças, estou muito nervosa. Hoje é o grande dia. Estou preparada por fim? Minha deusa interior me observava golpeando impaciente o chão com um pé. Faz anos que está preparada, e está preparada para algo com alguém como Christian Grey, embora ainda não entenda o que vê em mim... a pacata Ana Steele... Não fazia sentido.

Era pontual, é obvio, e quando saí do Clayton's já me esperava, apoiado na parte de trás do carro. Abriu a porta para mim e sorriu cordialmente.

— Boa tarde, senhorita Steele. — Disse-me.

— Sr. Grey.

Inclinei a cabeça educadamente e entrei no assento traseiro do carro. Taylor estava sentado ao volante.

— Olá, Taylor, — Disse-lhe.

— Boa tarde, Srta. Steele. — Respondeu-me em tom educado e profissional.

Christian entrou pela outra porta e brandamente me apertou a mão. Um calafrio percorreu todo meu corpo.

— Como foi o trabalho? — Perguntou-me.

— Interminável. — Respondi-lhe com voz rouca, muito baixa e cheia de desejo.

— Sim, o meu também, pareceu muito longo.

—O que tem feito? — Consegui perguntar.

— Andei com Eliot.

Seu polegar acariciava meus dedos por trás. Meu coração deixou de bater e minha respiração se acelerou. Como é possível que me afete tanto? Apenas tocou uma pequena parte de meu corpo, e meus hormônios dispararam.

O heliporto estava perto, assim, antes que me desse conta, já havíamos chegado. Perguntei-me onde estaria o lendário helicóptero. Estamos em uma zona da cidade repleta de edifícios, e até eu sei que os helicópteros necessitam espaço para decolar e aterrissar. Taylor estacionou, saiu e abriu minha porta. Em um momento, Christian estava ao meu lado e pegou minha mão novamente.

— Preparada? — Perguntou-me.

Assenti. Queria lhe dizer: "Para tudo", mas estava muito nervosa para articular qualquer palavra.

— Taylor.

Fiz um gesto para o chofer, entramos no edifício e nos dirigimos para os elevadores. Um elevador! A lembrança do beijo daquela manhã voltou a me obcecar.

Não pensei em nada mais por todo o dia. Mesmo no Clayton's não podia tirar tudo da cabeça. O Sr. Clayton precisou gritar comigo duas vezes para que voltasse para a Terra. Dizer que estive distraída era pouco. Christian me olhou com um ligeiro sorriso nos lábios. Ah! Ele também estava pensando no mesmo.

— São apenas três andares. — disse-me com olhos divertidos.

Tenho certeza que tem telepatia. É horripilante.

Pretendi manter o rosto impassível quando entramos no elevador. As portas se fecharam e aí está a estranha atração elétrica, crepitando entre nós, apoderando-se de mim. Fechei os olhos em uma vã intenção de dissipá-la. Ele apertou minha mão com força, e cinco segundos depois as portas se abriram no terraço do edifício. E lá estava, um helicóptero branco com as palavras GREY ENTERPRISES HOLDINGS, Inc. em cor azul e o logotipo da empresa de outro lado. Certamente que isto é esbanjar os recursos da empresa.

Ele me levou a um pequeno escritório onde um velho estava sentado atrás da mesa.

— Aqui está seu plano de vôo, Sr. Grey. Revisamos tudo. Está preparado, lhe esperando, senhor. Pode decolar quando quiser.

— Obrigado, Joe. — Respondeu-lhe Christian com um sorriso quente.

Ora, alguém que merecia que Christian o tratasse com educação. Possivelmente não trabalhava para ele. Observei o ancião assombrada.

— Vamos. — Disse-me Christian.

E nos dirigimos ao helicóptero. De perto era muito maior do que pensava. Supunha que seria um modelo pequeno, para duas pessoas, mas contava com, no mínimo, sete assentos. Christian abriu a porta e me indicou um assento na frente.

— Sente-se. E não toque em nada. — Ordenou-me e subiu por trás de mim.

Fechou a porta. Alegrei-me que toda a zona ao redor estivesse iluminada, porque do contrário, nada se veria na cabine. Acomodei-me no assento que me indicou e ele se inclinou para mim para me atar o cinto de segurança. É um cinto de quatro pontos com todas as tiras se conectando a um fecho central. Apertou tanto as duas tiras superiores, que eu não podia me mover.

Ele estava tão próximo a mim, muito concentrado no que fazia. Se pudesse me inclinar um pouco para frente, afundaria o nariz em seu cabelo. Cheirava a limpo, fresco, divino, mas eu estava firmemente atada ao assento e não podia me mover. Levantou o olhar para mim e sorriu, como se lhe divertisse essa brincadeira que apenas ele entendesse. Seus olhos brilharam. Estava tentadoramente perto. Contive a respiração enquanto me aperta uma das tiras superiores.

— Está segura. Não pode escapar. — Sussurrou-me. — Respira, Anastásia. — Acrescentou em tom doce.

 Aproximou-se, acariciou meu rosto, correndo os dedos longos até meu queixo, que pegou entre o polegar e o indicador. Inclinou-se para frente e me deu um rápido e casto beijo. Fiquei impactada, me revolvendo por dentro ante o excitante e inesperado contato de seus lábios.

— Eu gosto deste cinto. — Sussurrou-me.

O que?

Acomodou-se ao meu lado, atou-se ao seu assento e em seguida começou um processo de verificar medidores, virar interruptores e apertar botões do enorme gama de marcadores, luzes e botões na minha frente. Pequenas esferas piscaram luzinhas, e todo o painel de comando estava iluminado.

— Ponha os fones de ouvido — Disse-me apontando uns fones na minha frente.

Coloquei-os e o motor começou a girar. Era ensurdecedor. Ele também colocou os fones e seguiu movendo as alavancas.

— Estou fazendo todas as comprovações prévias ao vôo.

Ouvi a imaterial voz de Christian pelos fones. Virou-se para mim e sorriu.

— Sabe o que faz? — Perguntei-lhe.

Voltou-se para mim e sorriu.

— Fui piloto por quatro anos, Anastásia. Está a salvo comigo. — Disse sorrindo-me de orelha a orelha. — Bom, ao menos enquanto estivermos voando. — Acrescentou com uma piscadela.

Piscando... Christian!

— Pronta?

Concordei com os olhos muito abertos.

— De acordo, torre de controle. Aeroporto de Portland, aqui é Charlie Tango Golfe – Golf Echo Hotel, preparado para decolar. Espero confirmação, câmbio.

 — Charlie Tango, adiante. Aqui é aeroporto de Portland, avance por um-quatro-mil, direção zero-um-zero, câmbio.

— Entendido, torre, aqui Charlie Tango. Câmbio e desligo. Em marcha. — Acrescentou dirigindo-se a mim.

O helicóptero se elevou pelos ares lenta e brandamente.

Portland desapareceu enquanto adentrávamos ao espaço aéreo, embora meu estômago ficasse ancorado no Oregón. Uau! As luzes se reduziram até converterem-se em uma ligeira piscada a nossos pés. É como olhar para o exterior de um aquário. Uma vez no alto, a verdade é que não se vê nada. Está tudo muito escuro. Nem sequer a lua iluminava um pouco nosso trajeto. Como poderia ver por onde vamos?

— Inquietante, não é? — Christian disse-me pelos fones.

— Como sabe que vai na direção correta?

— Aqui. — Respondeu-me assinalando com seu comprido dedo um indicador com uma bússola eletrônica. — É um Eurocopter EC135. Um dos mais seguros. Está equipado para voar a noite. — Olhou-me e sorriu, — Em meu edifício há um heliporto. Dirigimo-nos para lá.

Óbvio que em seu edifício havia um heliporto. Senti-me totalmente por fora. As luzes do painel de controle lhe iluminavam ligeiramente o rosto. Estava muito concentrado e não deixava de controlar os diversos mostradores situados em frente a ele. Observo seus traços com todos os detalhes. Tem um perfil muito bonito, o nariz reto e a mandíbula quadrada. Eu gostaria de deslizar a língua por sua mandíbula. Não se barbeou, e sua barba de dois dias fez a perspectiva duplamente tentadora. Mmm...

Eu gostaria de sentir sua aspereza sob minha língua, meus dedos, meu rosto.

— Quando voa de noite, não vê nada. Tem que confiar nos aparelhos. — Disse interrompendo minha fantasia erótica.

— Quanto durará o vôo? — Consegui dizer, quase sem fôlego.

Não estava pensando em sexo, de jeito nenhum...

— Menos de uma hora... Temos o vento a favor.

Menos de uma hora para Seattle... Nada mal. Claro, estávamos voando.

Eu tenho menos de uma hora antes da grande revelação. Sinto todos os músculos da barriga contraídos. Tenho um grave problema com as mariposas. Reproduzem-se em meu estômago. O que me terá preparado?

— Está bem, Anastásia?

— Sim.

Respondi-lhe com a máxima brevidade porque os nervos me oprimiam.

Acredito que sorriu, mas é difícil ter certeza na escuridão. Christian acionou outro botão.

— Aeroporto de Portland, aqui Charlie Tango, em um-quatro-mil, câmbio.

Trocava informação com o controle de tráfego aéreo. Soou-me tudo muito profissional. Acredito que estamos passando do espaço aéreo de Portland para o do aeroporto de Seattle.

— Entendido, Seattle, preparado, câmbio e desligo.

Apontou um pequeno ponto de luz à distância e disse:

— Olhe. Aquilo ali é Seattle.

— Sempre impressiona assim às mulheres? "Venha dar uma volta em meu helicóptero"? — Perguntei-lhe realmente interessada.

— Nunca trouxe a uma mulher ao helicóptero, Anastásia. Também isto é uma novidade. — Respondeu-me em tom tranquilo, embora sério.

Ora, não esperava esta resposta. Também uma novidade? Ah, referia-se a dormir com uma mulher?

— Está impressionada?

— Sinto-me sobressaltada, Christian.

Sorriu.

— Sobressaltada?

Por um instante demonstrou ter sua idade.

Assenti.

— Faz tudo... tão bem.

— Obrigado, Srta. Steele — Disse-me educadamente.

Acredito que gostou de meu comentário, mas não estou segura.

Durante um momento atravessamos a escura noite em silêncio. O ponto de luz de Seattle ficava cada vez maior.

— Torre de Seattle ao Charlie Tango. Plano de vôo à Escala em ordem. Adiante, por favor. Preparado. Câmbio.

— Aqui Charlie Tango, entendido, Seattle. Preparado, câmbio e desligo.

— Está claro que você se diverte. — Murmurei.

— O que?

Encarou-me. A tênue luz dos instrumentos parecia zombador.

— Voar. — Respondi-lhe.

— Exige controle e concentração... como não iria me encantar? Embora o que mais gosto é planejar.

— Planejar?

— Sim. Vôo sem motor, para que me entenda. Planadores e helicópteros. Piloto as duas coisas.

— Ah!

Passatempos caros. Lembrei-me que me disse isso na entrevista. Eu gosto de ler e de vez em quando vou ao cinema. Nada de mais.

— Charlie Tango, adiante, por favor, câmbio.

A voz imaterial do controle de tráfego aéreo interrompeu minhas fantasias. Christian respondia em um tom seguro de si mesmo.

Seattle estava cada vez mais perto. Agora estamos nos subúrbios. Uau! Era absolutamente impressionante. Seattle de noite, do céu...

— É bonito, não é verdade? — Perguntou-me Christian em um murmúrio.

Aquiesci entusiasmada. Parecia de outro mundo, irreal, e sinto como se estivesse em um gigante estúdio de cinema, possivelmente no filme favorito de José, Blade Runner.

A lembrança de José tentando me beijar me incomodava. Começo a me sentir um pouco cruel por não ter respondido a suas chamadas. Tenho certeza que pode esperar até a manhã.

— Chegaremos em alguns minutos. — Christian murmurou.

E de repente senti meus ouvidos zumbirem, o coração disparar e a adrenalina percorrer meu corpo. Ele recomeçou a falar com o controle de tráfego aéreo, mas já não o escutava. Acreditava que iria desmaiar. Meu destino estava em suas mãos.

Voamos entre edifícios, e em frente a nós vi um arranha céu com um heliporto no terraço. A palavra “Escala” estava pintada em branco no topo do edifício. Estava cada vez mais perto, ia aumentando... como minha ansiedade. Deus, eu esperava não decepcioná-lo.

Ele vai me achar desprovida de alguma forma. Gostaria que tivesse atendido a Kate e tivesse posto um de seus vestidos, mas eu gostava de meu jeans negro, e vestia uma camisa verde e uma jaqueta negra de Kate. Estava bastante elegante. Agarrei-me à borda de meu assento cada vez com mais força. I posso fazer isso, eu posso fazer isso, repetia-me como um mantra enquanto nos aproximávamos do arranha céu.

O helicóptero reduziu a velocidade e ficou suspenso no ar. Christian aterrissou na pista do terraço do edifício. Tinha um nó no estômago. Não saberia dizer se eram nervos pelo que iria acontecer, ou alívio por termos chegado vivos, ou medo que a coisa não acontecesse bem. Desligou o motor, e o movimento e o ruído do rotor diminuiu até que, só o que se ouvia era o som da minha respiração entrecortada. Christian retirou os fones e se inclinou para tirar os meus.

— Chegamos. — Disse-me em voz baixa.

Seu olhar era intenso, a metade na escuridão e a outra metade iluminada pelas luzes brancas de aterrissagem. Uma metáfora muito adequada para Christian: o cavalheiro escuro e o cavalheiro branco. Parecia tenso. Cerrou a mandíbula e entrecerrou os olhos. Abriu seu cinto de segurança e se inclinou para abrir o meu. Seu rosto estava a centímetros do meu.

— Não tem que fazer nada que não queira fazer. Você sabe, não é?

Seu tom era muito sério, inclusive angustiado, e seus olhos, ardentes. Pegou-me de surpresa.

— Nunca faria nada que não quisesse fazer, Christian.

E enquanto lhe dizia, sentia que não estava de todo convencida, porque nestes momentos certamente faria algo pelo homem que estava sentado ao meu lado. Mas minhas palavras funcionaram e Christian se acalmou.

Encarou-me um instante com cautela e logo, apesar de ser tão alto, moveu-se com elegância até a porta do helicóptero e a abriu. Pulou, esperou-me e agarrou minha mão para me ajudar a descer à pista. No terraço do edifício havia muito vento e me punha nervosa o fato de estar em um espaço aberto a uns trinta andares de altura. Christian passou o braço pela minha cintura e me puxou firmemente contra ele.

— Vamos. — Gritou-me por cima do ruído do vento.

Arrastou-me até um elevador, digitou um número em um painel, e a porta se abriu. No elevador, completamente revestido de espelhos, fazia calor. Podia ver Christian em quantidade, para onde quer que eu olhasse, e a coisa boa era que ele também podia ver várias de mim. Digitou outro código, e as portas se fecharam e o elevador começou a descer.

Em poucos momentos estávamos em um vestíbulo totalmente branco. No meio havia uma mesa redonda de madeira escura com um enorme buquê de flores brancas. As paredes estavam cheias de quadros. Abriu uma porta dupla, e o branco se prolongou por um amplo corredor que nos levou até a entrada de uma sala palaciana. É o salão principal, de teto muito alto. Qualificá-lo de "enorme" seria pouco. A parede do fundo era de cristal e dava em uma sacada com uma magnífica vista da cidade.

À direita havia um imponente sofá em forma de “U” que permitiam sentar-se comodamente dez pessoas. Frente a ele, uma lareira ultramoderna de aço inoxidável... ou, possivelmente, de platina. O fogo aceso iluminava brandamente. À esquerda, junto à entrada, estava a área da cozinha. Toda branca, com as bancadas de madeira escura e um bar em que podiam sentar-se seis pessoas.

 Junto à área da cozinha, em frente à parede de cristal, havia uma mesa de jantar rodeada de dezesseis cadeiras. E no fundo havia um enorme piano negro e resplandecente. Claro... certamente também tocava piano. Em todas as paredes havia quadros de todo tipo e tamanho. Em realidade, o apartamento parecia mais uma galeria que uma moradia.

— Dê-me a jaqueta? — Christian perguntou-me.

Nego com a cabeça. Ainda estava com frio da pista do helicóptero.

— Quer tomar uma taça? — Perguntou-me.

Pisquei. Depois do que se passou ontem? Está de brincadeira ou o que? Por um segundo pensei em lhe pedir uma marguerita, mas não me atrevi.

— Eu tomarei uma taça de vinho branco. Você quer uma?

— Sim, obrigada. — Murmurei.

Sentia-me incômoda neste enorme salão. Aproximei-me da parede de cristal e me dei conta de que a parte inferior do painel se abria a sacada em forma de acordeão. Abaixo se via Seattle, iluminada e animada. Volto para a área da cozinha, demorei uns segundos, porque estava muito longe da parede de cristal, onde Christian abria um vinho. Retirou sua jaqueta.

— Acha que está bem um Pouily Fumei?

— Não tenho a menor ideia sobre vinhos, Christian. Estou certa de que será perfeito.

Falei em voz baixa e entrecortada. Meu coração batia muito depressa. Queria sair correndo. Isto era luxo de verdade, de uma riqueza exagerada, tipo Bill Gates.

O que estava fazendo aqui? Sabia muito bem o que estava fazendo aqui, logrou meu subconsciente. Sim, quero ir para cama com Christian Grey.

— Toma. — Disse-me ao estender uma taça de vinho.

Até as taças são luxuosas, de cristais grossos e muito modernos. Tomei um gole. O vinho era ligeiro, fresco e delicioso.

— Você está muito quieta, e nem mesmo está corada. A verdade é que acredito que nunca te vi tão pálida, Anastásia. — Murmurou. — Está com fome?

Neguei com a cabeça. Não de comida.

— Que casa tão grande.

— Grande?

— Grande.

— É grande. — Admitiu com um olhar divertido.

Tomei outro gole do vinho.

— Sabe tocar? — Perguntei-lhe apontando para o piano.

— Sim.

— Bem?

— Sim.

— Claro, como não. Há algo que não faça bem?

— Sim... umas duas ou três coisas.

Tomou um gole de vinho sem tirar os olhos de cima de mim. Sinto que seu olhar me seguia quando me virei e olhei o imenso salão. Mas não deveria chamar-lhe "salão".

Não é um salão, a não ser uma declaração de princípios.

— Quer te sentar?

Concordei com a cabeça. Agarrou minha mão e me levou ao grande sofá de cor nata. Enquanto me sentava, assaltava-me a ideia de que pareço Tess Durbeyfield observando a nova casa do notário Alec d'Urbervile. A ideia me fez sorrir.

— O que te parece tão divertido?

Estava sentado ao meu lado, me olhando. Descansava a cabeça sobre a mão direita e o cotovelo estava apoiado na parte de trás do sofá.

— Por que me deu de presente precisamente Tess, de D'Urberville? — Perguntei-lhe.

Christian me olhou fixamente um momento. Acredito que lhe surpreendeu minha pergunta.

— Bom, disse-me que gostava de Thomas Hardy.

— Só por isso?

Até eu sou consciente de que minha voz soava decepcionada. Apertou os lábios.

— Pareceu-me apropriado. Eu poderia te empurrar para algum ideal impossível, como Angel Clare, ou te corromper completamente, como Alec d'Urbervile. — Murmurou.

Seus olhos brilharam impenetráveis e perigosos.

— Se apenas houver duas possibilidades, escolho a corrupção. —sussurrei enquanto o encarava.

Meu subconsciente me observava assombrada. Christian ficou boquiaberto.

— Anastásia, deixa de morder o lábio, por favor. Desconcentra-me. Não sabe o que diz.

— Por isso estou aqui.

Franziu o cenho.

— Sim. Desculpa-me um momento?

Desapareceu por uma grande porta no outro extremo do salão. Voltou em dois minutos com uns papéis nas mãos.

—Isto é um acordo de confidencialidade. — Encolheu os ombros e pareceu ligeiramente incômodo. — Meu advogado insistiu.

Estendeu-me os papéis. Fiquei totalmente perplexa.

— Se escolher a segunda opção, a corrupção, terá que assiná-los.

— E se não quiser assinar nada?

— Então fica com os ideais de Angel Clare, bom, ao menos na maior parte do livro.

— O que implica este acordo?

— Implica que não pode contar nada do que aconteça entre nós. Nada a ninguém.

Observei-o sem dar crédito. Merda. Tem que ser ruim, ruim de verdade, e agora tenho muita curiosidade por saber do que se trata.

— De acordo, assinarei.

Estendeu-me uma caneta.

— Nem sequer vai ler?

— Não.

Franziu o cenho.

— Anastásia, sempre deveria ler tudo o que assina. — Arremeteu.

— Christian, o que não entende é que em nenhum caso falaria sobre nós com ninguém. Nem sequer com Kate. Assim que dá no mesmo se assinar um acordo ou não. Se for tão importante para ti ou para seu advogado...  que é óbvio que você falou de mim para ele, de acordo. Assinarei.

Observou-me fixamente e assentiu muito sério.

— Boa observação, Srta. Steele.

Assinei as duas cópias com um grandiloquente gesto e lhe devolvi uma. Dobrei a outra, enfiei-a na minha bolsa e tomei um comprido gole de vinho. Parecia muito mais valente do que em realidade me sentia.

— Quer dizer com isso que vais fazer amor comigo esta noite, Christian?

Maldita seja! Acabei de dizer isso? Abri ligeiramente a boca, mas em seguida se recompus.

— Não, Anastásia, não quer dizer isso. Em primeiro lugar, eu não faço amor. Eu fodo... duro. Em segundo lugar, temos muito mais papelada que arrumar. E em terceiro lugar, ainda não sabe do que se trata. Ainda poderia sair correndo. Veem, quero te mostrar meu quarto de jogos.

Fiquei boquiaberta. Fodo duro! Minha mãe. Isso soa tão... quente. Mas por que vamos ver um quarto de jogos? Estou perplexa.

— Quer jogar Xbox? — Perguntei-lhe.

Riu às gargalhadas.

— Não, Anastásia, nem Xbox, nem  PlayStation. Venha.

Levantou-se e me estendeu a mão. Deixei que me levasse de volta para o corredor. À direita das portas duplas, de onde viemos havia outra porta que dava a uma escada.

Subimos ao andar de cima e viramos à direita. Retirou uma chave do bolsinho, virou a fechadura de outra porta e respirou fundo.

— Pode partir em qualquer momento. O helicóptero está preparado para te levar aonde queira. Pode passar a noite aqui e partir amanhã pela manhã. O que disser, para mim, estará bem.

— Abre a maldita porta de uma vez, Christian.

Abriu a porta e se afastou a um lado para que eu entrasse primeiro. Voltei a olhá-lo. Queria saber o que havia ali dentro. Parei e entrei.

E senti como se ele tivesse me transportado ao século XVI, à época da Inquisição espanhola.

Puta merda.